CARTA ABERTA
POSICIONAMENTO SOBRE O ENSINO DA PRÁTICA EM TERAPIA OCUPACIONAL DURANTE A PANDEMIA DO FÓRUM DE COORDENADORES DE CURSOS DE TERAPIA OCUPACIONAL
Segundo a World Federation of Occupational Therapists (WFTO, 2020) a pandemia da COVID-19 está trazendo profundo impacto nas questões sociais, na vida, saúde e bem-estar de indivíduos, famílias e comunidades ao redor do mundo. A pandemia trouxe alterações nas mais diversas dimensões de vida dos seres humanos, incluindo na dimensão profissional. No que diz respeito ao setor da educação, a interrupção das atividades presenciais das Instituições de Ensino Superior (IES), em virtude das medidas de segurança sanitária do isolamento e distanciamento social, trouxe incertezas das mais diversas ordens.
Atenta aos impactos dessa situação para a formação graduada do terapeuta ocupacional, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa em Terapia Ocupacional (RENETO), desde junho de 2020, tem organizado fóruns de discussões com os/as coordenadores/as dos cursos brasileiros de graduação em Terapia Ocupacional e coordenadores/as de estágio. A partir dessas discussões, surge a necessidade de um posicionamento desse coletivo, sobre o ensino da prática profissional em tempos de pandemia.
Foram realizados seis encontros virtuais deste fórum (junho a outubro de 2020), composto por um grupo de docentes que atuam diretamente na formação de futuros terapeutas ocupacionais. As discussões apontaram para a preocupação sobre as garantias para a continuidade das atividades práticas na modalidade de ensino presencial; sobre quais habilidades e competências são possíveis de serem desenvolvidas por meio do ensino remoto para a prática profissional; bem como sobre os parâmetros e estruturação das atividades híbridas no ensino da prática profissional evidenciando-se a acessibilidade, aprendizagem e permanência estudantil no ensino da Terapia Ocupacional, frente à complexidade e excepcionalidade da situação vivenciada. Mais recentemente, com as experiências práticas do grupo, parte das discussões têm apontado para a estruturação das atividades híbridas no ensino da prática profissional.
Neste sentido, reiteramos que são nas atividades práticas, sobremaneira o estágio curricular por ser uma atividade essencial da formação do terapeuta ocupacional, que os estudantes aprendem a integrar e desenvolver conhecimento, raciocínio profissional, comportamento profissional, habilidades e atitudes que desenvolvam a competência profissional e que, consequentemente, os qualifiquem como terapeutas ocupacionais (WFTO, 2020).
Considerando que a Portaria no544 de 16 de junho de 2020 emitida pelo Ministério da Educação (BRASIL, 2020a), compreende que está prevista a possibilidade, em situações específicas, de realização de atividades práticas de estágios curriculares a serem realizados na modalidade remota, levando-se em conta que essa projeção não se aplica a todos os cursos de todas as áreas de conhecimento, sobretudo para profissões vinculadas à área da saúde.
Por esta razão, a nota técnica emitida pelo Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2020b) orienta que cada curso faça uma avaliação com base nas suas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e nos seus Projetos Pedagógicos de Curso (PPC) para analisar se é possível que as atividades acadêmicas de estágio sejam desenvolvidas, pois “aqueles cursos que não tenham previsão de substituição de laboratórios e estágios em suas DCNs ou Projeto Pedagógico do Curso aprovados, permanecem vedados até que sejam regulamentados conjuntamente pelo CNE e MEC” (BRASIL, 2020c, p.6).
A DCN de Terapia Ocupacional aprovada pela Resolução CNE/CES 6, de 19 de fevereiro de 2002 (BRASIL, 2002) e aquela em tramitação no CNE, já aprovada pelos pares em 20191, definem os princípios, fundamentos, condições e procedimentos da formação de terapeutas ocupacionais e preveem a formação generalista, humanista, laica, crítica, ético-político, reflexivo e problematizador, de forma que, o egresso atue em diferentes contextos e seja capaz de analisar, compreender e atuar com/na relação entre pessoas, grupos, coletivos e populações e suas atividades, ocupações e cotidianos.
Considerando as autorizações do MEC, resoluções do COFFITO e as DCNs que apresentam a necessidade de formação para atuar nos diferentes contextos, a partir das novas práticas que já vem sendo desenvolvidas e analisadas nos serviços, como práticas de ensino e extensão, vem se evidenciando as possibilidades de ensino da prática de forma remota compondo o ensino e formação no contexto da pandemia. Tais práticas dizem respeito não somente a assistência, mas também estudos de caso, mapeamento da rede, construção de tecnologias educativas e tecnologia assistiva, elaboração de documentos (relatórios, pareceres, entre outros), supervisão on-line do estagiário, entre outras.
A partir da pandemia, evidencia-se ser possível a utilização de uma parcela da carga horária de estágio para atividades mediadas pela tecnologia como, por exemplo, práticas de teleatendimento, telemonitoramento e teleconsultoria, aprovados pela Resolução no 516 de 20 de março de 2020 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), estudos de caso, mapeamento da rede, construção de tecnologias educativas e tecnologias assistivas, elaboração de documentos (relatórios, pareceres, entre outros), supervisão on-line do estagiário, entre outras.
Justifica-se que as modalidades de teleatendimento, telemonitoramento e teleconsultoria deverão ser realizadas com a supervisão direta de profissionais preceptores terapeutas ocupacionais e docentes, uma vez que essas atividades são previstas para profissionais. A utilização dessas estratégias relacionadas ao uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) na formação, em tempos de pandemia, prevê a continuidade do processo de ensino-aprendizagem do cuidado ofertado pelo terapeuta ocupacional em alguns contextos que apresentam a necessidade ou possibilidade dessa modalidade de intervenção profissional, assim como, qualificação da formação a partir das novas experiências mediadas por tecnologias, considerando a formação do terapeuta ocupacional em excepcionalidades. Enquanto assistência, configura-se como possibilidades únicas de assistência de algumas populações e serviços, considerando a dificuldade de acesso e medida de mitigação de risco de contaminação protegendo estudantes, profissionais, usuários e familiares tão fundamentais enquanto a situação pandêmica não se encontra controlada.
Entretanto, mesmo diante dessas possibilidades, esse coletivo se posiciona na defesa de que as ações relacionadas aos estágios em Terapia Ocupacional sejam realizadas preferencialmente com a presença de estagiário, usuário e profissionais em serviços presenciais podendo contemplar ações remotas, caracterizando-se, portanto, como práticas híbridas, ou seja, compostas por ações remotas e presenciais.
Considera-se importante que as decisões pela realização de atividades práticas remotas, autorizadas durante a pandemia por documentos oficiais citados, sejam analisadas em cada curso/IES conforme as perspectivas de formação previstas na DCN da Terapia Ocupacional e nos PPC, considerando estes como fundamentais para a orientação dos processos reflexivos e decisórios dos cursos. Estas flexibilizações buscam respeitar a autonomia de cada Instituição à que o curso de Terapia Ocupacional está vinculado.
Ressalta-se, no entanto, que considerando a necessidade de construir parâmetros que orientem as decisões institucionais relativas aos estágios híbridos ou presenciais em tempos de pandemia, as discussões deste coletivo apontam para a necessidade de haver um sistema de garantias que também dependerá de cada localidade, a saber:
1. Protocolos de Biossegurança e disponibilização dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para os estagiários, docentes e/ou preceptores;
2. Cobertura de seguro aos estagiários que envolvam situações relacionadas a pandemia da COVID-19;
3. Oferta de prática em campos nos quais estejam previstas normativas de segurança sanitária;
4. Em caso de adoção de algumas atividades de estágio de forma remota, sugere- se a oferta de infraestrutura de acesso às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) tanto para o acadêmico, preceptores e docentes quanto para os clientes dos serviços para viabilizar as ações.
Sabendo-se da complexidade e dos desafios do presente e do futuro para a formação de terapeutas ocupacionais, esse coletivo de coordenadores se compromete de forma responsável com o processo formativo e com a sociedade, visando a qualidade da formação profissional, buscando alternativas viáveis que não venham ferir o previsto nas DCNs e o compromisso social da Universidade em formar recursos humanos qualificados para a assistência da população e no diálogo permanente com a sociedade.
A pandemia em território brasileiro ainda sinaliza tempos de incertezas quanto às previsões de retornos presenciais de forma segura na totalidade das atividades acadêmicas, bem como sobre os efeitos decorrentes do contágio pela COVID-19. Por isso, faz-se necessário seguir em permanente discussão e reflexão sobre as perspectivas de formação em Terapia Ocupacional que responda às questões de sua contemporaneidade.
Essa carta foi elaborada pelo coletivo de docentes que participam do Fórum Virtual de Coordenadores da RENETO, sendo assinada pelos seguintes membros:
Adriana Leão (Comissão de Estágios do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES)
Ana Elizabeth dos Santos Lins (Coordenadora do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas – Uncisal)
Andréia Zarzour Abou Hala Corrêa (Coordenadora do Curso de Terapia Ocupacional do Centro Universitário Saúde ABC – FMABC)
Beatriz Prado Pereira (Docente do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal da Paraíba – UFPB)
Bianca Gonçalves de Carrasco Bassi (Coordenadora do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM)
Cibele Braga Ferreira Nascimento (Coordenadora do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Pará – UFPA)
Clarice Ribeiro Soares Araújo (Coordenadora de Estágios do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal da Paraíba – UFPB)
Débora Couto de Melo Carrijo (Coordenação do Curso de Terapia Ocupacional da UFSCar)
Átala Lotti Garcia (Subcoordenadora em exercício do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES)
Gabriela Pereira Vasters (Coordenadora do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP – até 27/10/20)
Giovanna Bardi (Comissão de Estágios do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES)
Iranise Moro Pereira Jorge (Coordenadora dos Cursos de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Paraná – UFPR)
Karina Piccin Zanni (Coordenadora da Comissão de Estágios do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP)
Márcia Cristina de Araújo Silva (Coordenadora do Curso de Terapia Ocupacional do Instituto Federal do Rio de Janeiro – IFRJ)
Mariana Midori Sime (Comissão de Estágios do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES)
Marjorie Heloise Masuchi (Vice coordenadora do Curso de Terapia Ocupacional do Centro Universitário Saúde ABC – FMABC)
Regina Yoneko Dakuzaku Carretta (Coordenadora de Estágios e Vice coordenadora da Comissão Coordenadora do Curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – FMRP/USP)
Rita de Cássia Barcellos (Vice Chefe de Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Sergipe – UFS)
Sabrina de Sousa Queiroz (Coordenadora Adjunta do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade da Amazônia – UNAMA – PA)
Soraya Diniz Rosa (Coordenadora de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade de Sorocaba – UNISO)
Tatiana Barbieri Bombarda (Coordenação de Estágio e Vice Coordenação do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar)
Vania Mefano (Comissão de Estágios do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ)
Zayanna Christine Lopes Lindôso (Coordenadora do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Pelotas – UFPel)
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CES no6/2002, de 19 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional. Brasília, 2002.
BRASIL. Ministério da Educação. Portaria no544/2020, de 16 de junho de 2020. Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus – Covid-19, e revoga as Portarias MEC no 343, de 17 de março de 2020, no 345, de 19 de março de 2020, e no 473, de 12 de maio de 2020. Brasília, 2020a. Disponível em <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n- 544-de-16-de-junho-de-2020-261924872>. Acesso em 07 jul 2020.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP no 5/2020.Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19. Brasília, 2020b. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=145 11-pcp005-20&category_slud=marco-2020-pdf&Itemid=30192>. Acesso em 27 out 2020.
BRASIL. Ministério da Educação. Nota Técnica Conjunta No 17/2020 CGLNRS/DPR/SERES/SERES. Brasília, 2020c. Disponível em <https://www.gov.br/mec/pt-br/media/seres/pdf/SEI_23000.008779_2020_69.pdf> Acesso em 27 out 2020.
CONSELHO FEDERAL DE FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL (COFFITO). Resolução No 516, de 20 de março de 2020.Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO. 2020. Dispões sobre Teleconsulta, Telemonitoramento e Teleconsultoria. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Disponível em < https://www.coffito.gov.br/nsite/?p=15825>. Acesso em 03 jul 2020.
WORLD FEDERATION OF OCCUPATIONAL THERAPISTS– WFOT. Public Statement – Occupational Therapy Response to the COVID-19 Pandemic. London: WFOT. 2020. Disponível em: <https://www.wfot.org/about/public-statement- occupational-therapy-response-to-the-covid19-pandemic#entry:22326>. Acesso em 07 jul 2020.
1 Disponível em http://reneto.org.br/novas-diretrizes-curriculares-nacionais-dcn-da-terapia-ocupacional/
27 de outubro de 2020.